BioNOW! #7 - Efeito da privação de sono na supressão de memórias
Certamente, já todos amaldiçoámos a nossa incapacidade de reter toda a informação com que nos deparamos, seja durante um exame ou quando não nos lembramos do nome daquela música angelical da banda sonora d’O Senhor dos Anéis. No entanto, esta aparente inaptidão é o que possibilita a consolidação de memórias em primeiro lugar. Isto é, para guardarmos aquilo que consideramos mais importante precisamos de esquecer o resto. Curiosamente, não são só as informações ou eventos menos importantes que são delegadas ao esquecimento – eventos traumáticos também parecem embarcar nesta jornada sem retorno. Há, porém, um senão: o bom funcionamento destes processos está diretamente ligado à qualidade do sono.
Um estudo publicado na Biological Psychiatry testou precisamente os efeitos da privação de sono na extinção de memórias traumáticas. Os investigadores estudaram 150 adultos saudáveis, num laboratório de sono, e dividiram-nos em três grupos: a um terço foi permitida uma noite de sono normal, outro terço dormiu apenas durante a primeira metade da noite e o último terço foi totalmente privado de sono. No dia seguinte, todos os sujeitos foram submetidos a um modelo experimental de três fases, enquanto eram monitorizados por Imagiologia por Ressonância Magnética funcional (fMRI).

Figura 1 – Mapas de contraste entre os diferentes grupos de estudo, durante as três fases.
Os resultados obtidos, mostraram que no grupo de sono normal houve uma ativação significativa nas áreas associadas à regulação emocional, como o córtex pré-frontal. Já no grupo que dormiu metade da noite, houve uma maior incidência em áreas associadas ao medo. Surpreendentemente, o grupo em que a privação foi total não mostrou ativação nas mesmas áreas que o outro grupo mal dormido, tendo revelado uma atividade semelhante ao grupo de sono normal, o que sugere que a privação parcial de sono pode ser pior do que a total. Face a esta sugestão, os investigadores colocam a hipótese de que uma noite de sono limitada reduz substancialmente a quantidade de sono REM, a qual ocorre abundantemente numa fase já tardia e que tem provado ser importante na consolidação de memória.
Vivemos numa época de pandemias e a maior delas é da falta de sono. Por mais estranha que pareça esta afirmação, os resultados estão à vista. Uma larga fatia da massa trabalhadora mundial não dorme o suficiente e fá-lo em intervalos irregulares e de forma disruptiva. Não é, então, de estranhar que se fale cada vez mais em ansiedade e stress pós-traumático. Apesar das pandemias serem geralmente acompanhadas por um sentimento de impotência, esta não precisa de ser uma delas, dado que todos temos uma cura com 100% de eficácia à nossa disposição.
Sabe mais em:
https://doi.org/10.1016/j.bpsc.2020.09.013