BioNOW! #45 - Os efeitos intergeracionais do tabaco
Os ideais de beleza femininos sofreram variações significativas ao longo dos séculos e das culturas. Se no Antigo Egipto a magreza, os ombros estreitos e o rosto simétrico eram indissociáveis do ideal feminino, no Renascimento – que veio recuperar a estética da Grécia Clássica – figuravam-se as Vénus roliças, de quadris cheios e pele clara. De facto, parece que assistimos a uma alternância histórica, no que diz respeito à valorização da gordura corporal: ora símbolo de opulência e estatuto, ora prova irrefutável de pecado capital. Mas, eis que, no século XX, a ciência veio viciar o pêndulo, ao demonstrar que uns quilinhos extra podem ter efeitos nocivos para a saúde e bem-estar do seu portador. Estas descobertas foram preponderantes para o estabelecimento de um novo ideal estético a ponto de, nos dias que correm, a anacrónica expressão “gordura é formosura” se limitar a suscitar o mesmo riso sardónico que uma graçola já gasta.
Ora, apesar de se conhecerem algumas das consequências da obesidade, as suas causas continuam a ser um palco de controvérsias. O tipo de dieta, a predisposição genética, o sedentarismo, e outros fatores ambientais e culturais combatem entre si pela supremacia na hora de assumir o ‘mea culpa’. Mas, afinal de contas, porque é que isto importa? Importa na medida em que talvez aquela dieta milagrosa de que tanto nos falaram não seja a melhor solução, se não quisermos ficar de relações cortadas com a balança.
A ideia de que a exposição a certos químicos por parte dos progenitores masculinos pode afetar a sua futura descendência não é nova. No entanto, continua a ser difícil demonstrar este fenómeno de forma inequívoca e excluindo outros possíveis fatores. Em 2014, um grupo de investigadores da Universidade de Bristol mostrou, num estudo que envolveu mais de 14000 participantes nascidos nos anos 90, que os filhos (e não as filhas) cujos pais (refiro-me apenas aos homens) começaram a fumar antes dos 11 anos tinham, em média, um índice de massa corporal (IMC) maior.
Mais recentemente, estes investigadores decidiram alargar o estudo às gerações mais antigas, recolhendo dados dos avôs e bisavôs dos participantes. Num artigo publicado na Scientific Reports, os investigadores mostram que, neste caso, são as mulheres que albergam uma taxa de gordura corporal mais elevada (o excesso chega a ultrapassar os 6 kg), quando os seus avôs e bisavôs iniciaram o consumo de tabaco antes da puberdade.
Figura 1 – A relação existente entre o tabagismo pré-púbere e os níveis de gordura corporal da descendência: (a) um maior IMC associado aos homens cujo pai começou a fumar antes da puberdade; (b) um maior IMC associado às mulheres cujo avô paterno começou a fumar antes da puberdade; (c) um maior IMC associado às mulheres cujo pai do avô materno (bisavô) começou a fumar antes da puberdade;
Estes estudos são uma primeira amostra do emergente campo da epigenética, ramo da biologia que estuda as mudanças no fenótipo que não são causadas por alternações no DNA e que se perpetuam nas divisões celulares, meióticas ou mitóticas. Quem sabe se daqui a 100 anos não estaremos ainda a lidar com os efeitos do tabagismo. Mas não nos apressemos, porque, apesar dos resultados serem robustos, os investigadores reconhecem que serão necessários mais estudos, com outras bases de dados intergeracionais, para confirmar estas relações.
Como sugeri anteriormente, a descoberta das causas de um dado problema pode ser útil na criação de soluções para o mesmo. Neste sentido, a confirmarem-se estas relações, vejo emergirem duas soluções, das quais confesso ter uma preferida. Por um lado, temos a opção do “parricídio crononáutico”, que como o nome indica, consiste numa espécie de realização do famoso paradoxo do avô; por outro lado, a opção de contribuir para que os nossos descendentes não sofram do problema. Deixo ao critério do leitor a qual delas me refiro.
Sabe mais em:
https://www.nature.com/articles/s41598-021-04504-0
