BioNOW! #53 - O stress da replicação nos embriões humanos
A replicação nos embriões será sempre bem-sucedida? Que fatores poderão prejudicar este processo? Com que frequência ocorre a falha da replicação e quais as consequências na transferência do DNA e no desenvolvimento do embrião?
A fertilização de óvulos humanos permitem juntar o DNA da mãe e do pai na mesma célula. Para tal, é crucial que o DNA parental seja transferido com precisão e sem danos aos biliões de células filhas que eventualmente se vão desenvolver a partir do ovo fertilizado. Num artigo recentemente publicado em Cell, Palmerola et al. mostram que a correta transferência de DNA falha muitas vezes e muito cedo no desenvolvimento, logo após a fertilização, devido à cópia ineficiente e incompleta dos genomas parentais antes da primeira divisão do embrião.
A unificação dos genomas parentais num ovo fertilizado, também chamado de zigoto, envolve várias etapas que são exclusivas para esta fase de vida. Por exemplo, os cromossomas maternos e paternos são inicialmente anexados em dois núcleos separados, que se devem unir. Após a fertilização, os cromossomas são extensivamente modificados através da adição e remoção de grupos moleculares, e copiados através da replicação do DNA, para garantir que dois genomas completos estão disponíveis quando o zigoto se divide em duas células. Tudo isto acontece na ausência de transcrição. Ainda não é compreendido como os zigotos humanos conseguem replicar-se e transferir genomas parentais de forma eficiente e sem danos ao DNA, apesar destas incomuns circunstâncias.
Antes do zigoto se dividir em duas células, o DNA parental derivado do óvulo e do espermatozóide devem ser duplicados através da replicação do DNA. Palmerola et al. relatam que, em zigotos humanos, a replicação do DNA é lenta e errática (um fenómeno conhecido como stress de replicação) e às vezes não é concluído antes da divisão celular. O stress da replicação consiste, então, na desaceleração ou paralisação de estruturas chamadas de garfos da replicação que se formam quando as duas cadeias de DNA se desenrolam para permitir a replicação, e que se movem ao longo da fita à medida que a replicação prossegue. A replicação incompleta do DNA leva a quebras no cromossoma, e também pode causar erros durante a segregação dos cromossomas duplicados para as células filhas. Estes defeitos causam respetivamente fenómenos denominados por aneuploidia segmentar (em que partes dos cromossomas estão em falta do embrião de 2 células) e aneuploidia do cromossoma inteiro (em que todos os cromossomas estão a faltar). As aneuploidias podem levar à falência embrionária.
Figura 1 – Erros na Replicação de DNA no início do desenvolvimento do embrião humano
Palmerola e colegas estudaram os genomas dos zigotos humanos antes e depois da replicação do DNA e notaram que o dano no DNA foi indetetável diretamente após a fertilização, mas presente em cerca de 50% dos zigotos após a replicação do DNA estar completa.
Surpreendentemente, os autores descobriram que os garfos de replicação se moviam ao longo do DNA muito mais lentamente nos zigotos do que nas células em estágios posteriores do desenvolvimento embrionário. Esta descoberta levou a que se questionassem se alguns zigotos falhavam ao completar a replicação de DNA antes de se dividirem. Isto seria perigoso, porque cromossomas incompletamente replicados podem quebrar, causando a perda de uma porção de um cromossoma- aneuploidia segmentar. Esta condição afeta 15-25% de embriões humanos, e tem sido sugerida como uma causa para a falha embrionária.
O estudo aponta que um próximo óbvio passo é determinar as causas do stress de replicação em zigotos humanos. Talvez esteja ligado às propriedades únicas do zigoto e às mudanças abrangentes que os genomas parentais sofrem após a fertilização. Também será interessante investigar se o stress de replicação é um problema nas seguintes divisões celulares embrionárias. Uma última pergunta é por que os embriões humanos não evoluíram para replicar seu DNA e segregar os seus cromossomas de forma mais eficiente, dada as severas consequências de erros nesses processos?
O trabalho de Palmerola e colegas é também um lembrete que quaisquer procedimentos aplicados a embriões humanos durante a fase sensível do zigoto – como o congelamento de embriões – pode ter consequências imprevistas. Esta incerteza ressalta a importância da investigação desta fase crucial do desenvolvimento da vida humana.
Sabe mais em:
https://www.nature.com/articles/d41586-022-02949-5
