BioNOW! #54 – In Vitro Gaming: a procura pelas origens da Inteligência

Por Francisco Neves em

BioNOW! #54 - In Vitro Gaming: a procura pelas origens da Inteligência

A palavra “inteligência” iniciou uma demanda conceptual que atravessa gerações. Na antiguidade clássica, este conceito foi reclamado como a capacidade intrínseca e exclusiva do Ser Humano de compreender e aprender. No fim do século XIX, as fronteiras desta virtude começaram a ser expandidas para o restante reino animal, surgindo o termo “generalized intelligence”. No entanto, numa era dominada pelas ciências exatas, a inteligência clama por uma origem tangível. Ora, será o neurónio, unidade básica do sistema nervoso de qualquer organismo que o possua, o pote de ouro no fim deste arco-íris?

Encontrada a raiz da capacidade de raciocínio, surge uma nova questão. Será possível interagir com essa mesma raiz, o neurónio, de tal forma que consigamos controlar a sua inteligência inerente? Foi precisamente esta pergunta que motivou um grupo de investigadores da Cortical Labs, laboratório focado em neurociência em Melbourne, Austrália, a realizar uma experiência com neurónios in vitro de modo a testar a sua capacidade de avaliação e adaptação a estímulos externos.

E que melhor palco para esta prova senão o jogo Pong! Neste jogo, uma bola desloca-se pelo ecrã, seguindo trajetórias retilíneas e o objetivo consiste em impedir que a bola atinja os limites laterais do ecrã. Para este efeito, o jogador movimenta uma barra de modo a intercetar a bola, impedindo que esta alcance o limite do campo. Além de ser um dos mais antigos e célebres videojogos de sempre, é por muitos considerado o impulsionador dessa mesma indústria. Foi já usado para testar mecanismos de machine learning, pelo que se afigura bastante relevante para avaliar evidências de aprendizagem, desta vez, em organismos vivos.

Figura 1 – Decorrer de uma partida Pong

Relativamente à experiência em si, a equipa de investigadores australiana criou um circuito envolvendo um computador, uma cultura de neurónios e um dispositivo (High-Density multielectrode array) capaz de registar a atividade elétrica dos neurónios em tempo real. A partir do circuito, gerou-se um ambiente interativo entre a plataforma de jogo virtual e os neurónios in vitro. Assim, os impulsos elétricos gerados por estas células determinavam a movimentação da barra do jogo. Simultaneamente, os impulsos elétricos gerados pelo computador davam aos neurónios a informação relativa à posição instantânea da bola digital. Para introduzir um sistema de “castigo e recompensa”, programou-se o circuito de modo que, por cada vez que a bola atingia o limite do ecrã (o que equivale a perder o jogo), era gerado pelo computador um estímulo elétrico imprevisível. Por outro lado, quando a bola atingia a barra de jogo, controlada pelos neurónios, era gerado um estímulo específico que informava as células do sucedido.

A previsão ditava que o comportamento dos neurónios evoluiria de modo a minimizar a ocorrência de estímulos imprevisíveis, uma vez que estes perturbam a estabilidade do sistema. Deste modo, era expectável que a rede de neurónios melhorasse progressivamente a previsão da trajetória da bola e a movimentação da barra.

Figura 2 – Esquema do circuito utilizado na investigação da Cortical Labs

A teoria por trás deste método baseia-se no “Princípio da Energia Livre”, proposto por Karl Friston, um neurocientista britânico de renome. De uma forma concisa, este princípio implica que qualquer sistema, que tenha em vista minimizar variações da sua energia livre interna, procura adaptar-se ao ambiente em que se insere, com o objetivo de corresponder as suas perceções desse ambiente aos estímulos por ele recebidos. 

Observaram-se, de facto, melhorias significativas no desempenho dos neurónios, o que demonstra que redes de neurónios têm a capacidade de “compreender” estímulos extrínsecos e adaptar a sua atividade num mecanismo “goal-oriented”. Isto reitera a conjetura inicial de que a unidade estrutural do intelecto é o neurónio, mostrando também que é possível aceder e manipular a sua conduta comportamental.

Para além de estes resultados abrirem caminho para novos patamares de compreensão do cérebro e do intelecto, desafiam a nossa conceção do que é ser racional, relembrando-nos mesmo do perpétuo enigma que assombra tanto cientistas como filósofos – afinal, o que significa estar vivo?

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