BioNOW! #55 - Arrefecimento global: a vida em Marte... matou-se?
Há muitos motivos para apreciar microrganismos, e vão desde serem excelentes produtores de cerveja a terem tornado a atmosfera da terra respirável. Mas apesar da sua ubiquidade, por vezes o sentido de autopreservação não é o seu forte. Algumas espécies, se deixadas num tubo de ensaio, umas horas depois terão acidificado o meio a níveis tóxicos para si próprias, num fenómeno designado pelos investigadores de “suicídio ecológico”. Alguns antibióticos podem até ser contraproducentes, se reduzirem o tamanho da população o suficiente para prevenir que os microrganismos tratem do assunto sozinhos.
Ora, um novo estudo publicado na Nature Astronomy investiga o modo como algo semelhante pode ter ocorrido em Marte. Ou seja, o planeta terá, sim, sido habitado, mas pelo tipo de vida que menos se incomoda com condições extremas: microrganismos. Falamos de organismos metanogénicos (com um tipo de metabolismo baseado na produção de metano) a sobreviver e a prosperar em Marte, entre há 4100 e 3500 milhões de anos. Uma proliferação tão extensa que terá sido a principal razão para transformar o planeta numa grande rocha de desertos glaciais.
Foram construídos modelos matemáticos e computacionais que simulam a atmosfera, o clima e a crusta de Marte, permitindo avaliar a habitabilidade do planeta para populações de metanogénicos e quantificar as consequências da sua atividade. Criaram-se também modelos ecológicos que descrevem a dinâmica destas populações. Isto foi feito apenas com recurso a equações matemáticas e código, que está disponível ao público e podes encontrar no artigo que te deixamos no fim.
Todas as simulações corroboram uma linha de raciocínio cronológica que começa com os metanogénicos hidrogenotróficos em harmonia com a atmosfera marciana, consumindo do meio dióxido de carbono e hidrogénio e libertando metano. Estes viviam apenas uns centímetros abaixo da superfície, onde estavam protegidos da radiação ultravioleta e cósmica. Estas Archaebacteria são também dos seres mais antigos na história da Terra, e caracterizaram a biosfera primitiva do oceano terrestre.
Esta troca de gases foi mudando a constituição da atmosfera, e como sabemos demasiado bem, diferentes gases têm diferentes efeitos no clima. No caso de Marte, dadas as condições iniciais, isto foi causa de um elevado arrefecimento global, que forçou os microrganismos a retroceder para maiores profundidades na crusta, onde a temperatura é superior, mas a difusividade dos gases é muito mais lenta. À medida que esta espiral foi progredindo, a produção de biomassa diminuiu exponencialmente e a área superficial do planeta foi congelando. O gelo ocupa os poros da rocha, impedindo a passagem de gases. Por fim, todo o planeta se tornou inóspito.

Figura 1 – Evolução da cobertura de gelo de Marte sob a influência de metanogénicos hidrogenotróficos
Este estudo vem trazer uma hipótese concreta que ainda não teve tempo de ser provada, mas a ideia não é nova. O conceito de Gaian Bottleneck foi proposto em 2016 e sugere que, na fase inicial da história de um planeta, assumindo que as condições iniciais são habitáveis, a vida deve estabelecer rapidamente ciclos autorregulados de modo a mantê-las. Caso não consiga, extingue-se. Em quantos planetas, então, já terá este fenómeno ocorrido? A vida na Terra é o resultado de uma sorte gigantesca, mas convém recordar que a combinação de fatores é complexa, e o equilíbrio delicado… Será sensato perturbá-lo?