BioNOW! #68 – Agricultura de Resistência Antimicrobiana: Há males que vêm por bem
Por Paulo Pedroso em

BioNOW! #68 - Agricultura de Resistência Antimicrobiana: Há males que vêm por bem
Uma das maiores descobertas da humanidade foi alcançada por Alexander Fleming a 1928, e tal como a sua descoberta, o uso dos antibióticos começou de forma acidental há pelo menos 30 anos. A sua aplicação tornou-se tão vasta na medicina moderna, na agricultura, na pecuária e na prevenção e tratamento de doenças, que se tornou vulgar e disseminada ao ponto de permitir o seu uso indevido. Isto permite que os microrganismos sobrevivam e se multipliquem de forma descontrolada.
Ao considerar a enorme diversidade de compostos bioativos disponíveis e ainda por descobrir, e os diferentes mecanismos de ação moleculares que estes podem ter, podemos alegar que não há limites ao potencial terapêutico. Contudo, mesmo com cerca de 25 000 metabolitos secundários identificados atualmente, como 50 a 60% dos antibióticos utilizados são obtidos apenas de Streptomyces, há sem dúvida uma perda nesse potencial, que leva ao estrangulamento de eficácia pela redundância dos seres vivos e mecanismos utilizados.
Além disto, uma vez libertados para o ambiente, os antibióticos constituem um perigo ambiental considerável. Um dos problemas é a recorrente reutilização das águas residuais, particularmente em regiões áridas ou semiáridas, que contribui para a libertação de antibióticos nos solos. Como tentativa de solução, têm sido introduzidas modificações químicas estratégicas nestas moléculas, que procuram aumentar a eficácia e contornar os mecanismos de defesa dos microrganismos. No entanto, não têm tido muito sucesso, face aos mecanismos de bombeamento dos compostos para o meio extracelular que os seres desenvolvem.
Há, contudo, um raio de luz que entra na cena: a antibiotrofia. Trata-se de uma característica que certas comunidades de bactérias adquiriram por exposição contínua e repetida a antibióticos, que consiste na capacidade de catabolizar estas moléculas. O que antes era uma toxina para o ambiente passa a ser um nutriente.
Uma equipa da Tunísia viu o copo meio cheio e reportou que seria possível aumentar a tolerância de plantas às águas contaminadas se estas forem conjugadas com agentes antibiotróficos como a Erwinia. Mesmo em baixas concentrações os antibióticos prejudicam o crescimento dos vegetais, a germinação de sementes e a fotossíntese e foi estudado o caso de proteção da ervilheira contra tetraciclina (TET).
Figura 1 – Diferenças do crescimento da ervilheira na presença de Tetraciclina (Tetracycline), na ausência (-) e presença (+) da estirpe isolada (Strain S9).
Os investigadores já sabiam do impacto negativo que a TET radicular causa nas folhas, na elongação do caule e na biomassa em geral, pelo stress oxidativo gerado e dificuldade fotossintética. Tais falhas foram recuperadas com a inoculação com a estirpe S9, que reduziu os efeitos tóxicos da TET, pela redução da translocação da toxina ao longo das folhas, que melhorou a transpiração e, por conseguinte, a função fotossintética e produção de biomassa. A grande vantagem de ter bactérias antibiotróficas, em vez de simplesmente resistentes, é que a expressão dos genes associados e a produção dessas proteínas não requer a multiplicação da bactéria, o que não leva ao seu crescimento descontrolado.
O mecanismo proposto baseia-se na elevada atividade de enzimas antioxidantes como catalase, ascorbato peroxidase e guaiacol peroxidase, que aliviam as plantas de ervilha do stress a antibióticos através do ajuste osmótico, aumento da absorção de nutrientes, otimização das trocas gasosas e aumento das atividades antioxidantes.
A procura ou criação de microrganismos com tais capacidades é uma estratégia a explorar e uma ferramenta de engenharia química ambiental rentável que pode ser usada para despoluir águas residuais reutilizadas para irrigação, ou para melhorar as capacidades agrícolas de certas culturas.
Ficam, ainda, muitas questões por responder: poderá a antibiotrofia conferir às bactérias uma vantagem seletiva no ambiente que desregule o ecossistema? Qual o risco de disseminação destes genes de resistência a outras comunidades microbianas no solo? Será uma ameaça ainda maior? Apesar das dúvidas, os resultados encorajam a implementação destas estirpes, de forma amiga do ambiente para aliviar o stress antibiótico e promover tecnologias de despoluição. O problema não está resolvido, apenas foi aberta uma janela de benefícios numa casa a afogar.