BioNOW! #70 - Difusioforese e padrões naturais
Turing estava quase certo sobre as riscas das zebras
Um facto que muitos de nós sabemos da trivia é que as riscas das zebras são como impressões digitais, únicos a cada indivíduo. O mesmo acontece com padrões de outros animais, como leopardos, tartarugas, e o curioso peixe-cofre. O mundo científico sabe para que servem estes padrões – por exemplo, camuflagem, atração de parceiros ou autodefesa – mas não sabe como é que surgem, já que esta diferenciação não consta da informação genética.
Pelo menos, não o sabia até ao passado dia 8 de novembro, altura em que engenheiros da Universidade de Colorado Boulder, encabeçados pelos investigadores Benjamin Alessio e Ankur Gupta, publicaram um estudo que associa a formação dos padrões nos animais ao mesmo processo físico responsável pela remoção de sujidade de roupa.

Figura 1 – Peixe-cofre-amarelo (Octracion cubicus)
Em 1954, antes mesmo da descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA, Alan Turing, o matemático conhecido como o pai da ciência da computação e da inteligência artificial, havia proposto que os padrões se formam através de reações nas células, despoletadas pela difusão de agentes químicos produzidos no crescimento dos tecidos. No entanto, uma teoria baseada na difusão não estaria concordante com a nitidez observada nos padrões naturais (imagine-se, por exemplo, o modo difuso como o leite se mistura com café, por oposição ao complicado padrão de hexágonos roxos e contorno preto e amarelo do peixe-boi ornamentado, na imagem abaixo).
Assim, Alessio propôs a difusioforese como mecanismo de criação de padrões nítidos. A difusioforese descreve o movimento de moléculas num fluido em resposta a estímulos como gradientes de concentração, acelerando o movimento de outras moléculas no mesmo ambiente. É o mesmo fenómeno que explica o facto de que, se mergulharmos roupa envolvida em sabão em água limpa, a sujidade é removida mais facilmente do que se a mergulharmos em mais água com sabão, uma vez que é a diferença de concentrações que leva ao movimento das moléculas.
Da mesma forma, postulou-se que agentes químicos se movem através de tecidos animais, arrastando consigo células responsáveis pela pigmentação (cromatóforos), e desenvolvendo assim aglomerados com formas nítidas.
Para testar esta teoria, os investigadores simularam o padrão de hexágonos do peixe-boi ornamentado usando apenas as equações de Turing. O resultado foi uma imagem de pontos roxos difusos, com um vago contorno preto. Depois, a equipa modificou as equações para incorporar o fenómeno da difusioforese, e os resultados foram muito mais aproximados ao padrão colorido.


Figura 2 – Comparação do padrão natural do peixe-boi ornamentado (Aracana ornata) com simulações computacionais do mesmo. Modelos de reação-difusão não foram capazes de reproduzir a nitidez das transições entre cores. Porém, os mesmos modelos melhorados com difusioforese apresentam uma semelhança notável aos padrões naturais.
Este trabalho, além de trazer a difusioforese para a ribalta na matéria de formação de padrões, abre a porta para a investigação deste fenómeno “em vários processos biológicos, tais como a formação de embriões e de tumores”, realça Ankur Gupta.
Fontes:
- University of Colorado at Boulder. “How animals get their stripes and spots.” ScienceDaily. ScienceDaily, 8 November 2023. <www.sciencedaily.com/releases/2023/11/231108164200.htm>.
- Benjamin M. Alessio, Ankur Gupta. Diffusiophoresis-enhanced Turing patterns. Science Advances, 2023; 9 (45) DOI: 10.1126/sciadv.adj2457