BioNOW! #46 – GMO Tradicionais vs. CRISPR: Uma perspetiva regulamentar

Por Nuno Oliveira em

BioNOW! #46 - GMO Tradicionais vs. CRISPR: Uma perspetiva regulamentar

O desenvolvimento de tecnologias de edição genética de precisão, como os sistemas CRISPR, permite fazer pequenas modificações no genoma de espécies de interesse agrícola. Nos Estados Unidos e, agora, na China, essas modificações permitem melhorar o desempenho das culturas sem os obstáculos associados aos organismos geneticamente modificados tradicionais. 

Quando, em 2007, o papel dos CRISPR (clustered regularly interspaced short palindromic repeats) na imunidade microbiana foi descoberto, não se esperava que este fosse aproveitado para desenvolver uma ferramenta de biotecnologia revolucionária. Na última década, o uso de sistemas de edição genética baseados em CRISPR teve um forte impacto no trabalho de biólogos e bioengenheiros em todo o mundo, valendo até um prémio Nobel a Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna em 2020. Isto porque, ao contrário de ferramentas anteriores, estes permitem a edição precisa e relativamente simples de sequências concretas do genoma de diversas espécies. 

Assim, para além de novos estudos de função genética, é possível usar ferramentas CRISPR para editar genes concretos de espécies de interesse agrícola – sem inserir ou eliminar sequências longas em locais mal definidos, como acontece com os organismos geneticamente modificados tradicionais (GMOs). Estas edições podem conferir vantagens substanciais no seu rendimento, através de melhorias na resistência a doenças ou fatores de stress. Por exemplo, já foram desenvolvidas variedades de trigo resistentes ao oídio, um fungo parasita que prejudica o crescimento e rendimento da planta. 

Figura 1 – Uma folha de uma planta afetada pelo oídio. (Getty Images/iStockphoto)

Nos Estados Unidos, este tipo de edições genéticas precisas (e mais semelhantes às mudanças que acontecem naturalmente) pode ser feito de forma não-regulada, caindo num vazio legal. Por outro lado, na União Europeia, são equiparadas aos GMOs tradicionais, exigindo grandes estudos de campo que podem fazer o processo de aprovação levar décadas. A estrutura regulamentar chinesa – antes idêntica à europeia – passa, desde dia 21 de janeiro, a classificar separadamente os organismos editados por CRISPR. Assim, a aprovação destes requer ensaios mais simples, face ao seu menor risco ambiental.

Este tipo de alteração regulamentar pode vir a tornar possível o desenvolvimento de culturas agrícolas mais rentáveis e, simultaneamente, sustentáveis. No entanto, como em qualquer tecnologia recente, há ainda um grau elevado de desconhecimento e incerteza social, que exige cautela regulamentar adicional (refletida na classificação europeia). De qualquer forma, é provável que as plantas editadas por CRISPR venham a contribuir para melhores resultados na agricultura global e, consequentemente, maior estabilidade alimentar e de rendimentos para as populações mais vulneráveis.

Sabe mais em:
Sobre a História do CRISPR: https://doi.org/10.1016/bs.pmbts.2017.10.001
Sobre a função dos CRISPR na imunidade microbiana: https://doi.org/10.1126/science.1138140
Sobre a recente alteração regulamentar chinesa e o trigo resistente ao oídio: https://doi.org/10.1038/d41586-022-00395-x
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