BioNOW! #59 - Biomateriais regenerativos: a importância da imunomodulação
Quando se implanta um biomaterial há, independentemente da circunstância, uma resposta imunitária. Esta passa, inicialmente, pela resposta aguda, mediada por neutrófilos, células do sistema inato altamente inflamatórias que produzem espécies reativas de oxigénio e enzimas, com o objetivo de estimular a eliminação do corpo estranho. Desencadeia, adicionalmente, o recrutamento de outras células imunes, responsáveis pela fase de infeção crónica, nomeadamente os macrófagos. Existem 2 tipos particulares de macrófagos, M1 e M2, interconversíveis, e cuja distribuição está intrinsecamente ligada com o ambiente, nomeadamente o seu padrão de citocinas. Estes macrófagos vão ser os reguladores do tipo de resposta imune e, como tal, responsáveis pela forma como o organismo reage ao biomaterial. Assim sendo, neste artigo, investigou-se os 2 tipos de inflamação.
Mas mais do que um estudo fundamental do sistema imunitário, há um interesse pelas propriedades regenerativas do biomaterial. Ao contrário do que se acreditava inicialmente, nem todos os biomateriais têm de ser inertes para a sua implantação ser bem sucedida. A exploração dos biomateriais bioativos, ou seja, que se propõem a influenciar e modular a resposta do corpo humano, é de elevado interesse. Uma das aplicabilidades deste tipo de abordagem é na engenharia regenerativa e, para compreender esta área, é necessário perceber o processo de regeneração tecidual e os fatores que o influenciam.
Antes de pensarmos na regeneração de um tecido, é necessário começar no nível inferior: as células. Sem elas, não há forma de reparar ou substituir o tecido e, como tal há uma necessidade de gerar as células a si correspondentes, através de precursores estaminais. Numa fase inicial, houve um investimento no estudo da implantação de matrizes com estes precursores; contudo, este tipo de procedimento acarreta uma dificuldade – para diferenciar uma células indiferenciada à células específica do tecido desejado, é necessário uma padrão molecular, o qual não poderá ser induzido à partida pela simples implantação do biomaterial. Este artigo é marcado por uma abordagem distinta – os biomateriais descelularizados mas que são, contudo, capazes de recrutar células estaminais do próprio paciente, ao mesmo tempo que desencadeiam a resposta mais aprazível para o processo regenerativo. O objetivo é então que a implantação do mesmo possa estimular a regeneração do tecido periodôntico, que se distingue ainda pelo seu caráter multi-tecidual ósseo e ligamentar.
E qual é a relação entre o processo inflamatório e este processo de homing e consequente regeneração tecidual? É exatamente isso que este artigo procura explorar.
Quando o nosso corpo é submetido a agressões externas, como o implante de um biomaterial ou a infeção por um agente patogénico, o sistema imunitário é desencadeado e pode provocar diferentes reações inflamatórias, conforme o tipo de ameaça de que se trata. Há que ter em conta, contudo, que as diferentes reações são mediadas por diversos tipos de padrões moleculares, decorrente da natureza do próprio agente infecioso. Deste modo, torna-se possível regular este processo extrinsecamente através do controlo das moléculas envolvidas. Foi exatamente esta particularidade que os autores do artigo aproveitaram para, através do material implantado, regular o tipo de resposta inflamatória. Assim sendo, desenvolveram 2 modelos de hidroxiapatite, com padrões de citocinas diferentes que desencadearam resultando então em reações imunes diferentes.
O 1º modelo baseou-se no acoplamento de LPS, associado a um processo pró-inflamatório. O LPS é, como se sabe, um constituinte da parede celular das bactérias Gram-negativas e é um conhecido PAMP – pathogen-associated molecular pattern. Este tipo de molécula tem a capacidade de desencadear, nas células imunitárias, a produção de perfis de citocinas altamente inflamatórias. Por oposição, no 2º modelo recorreu-se a IL-4, uma citocina por si só anti-inflamatória e, como tal, desencadeando um processo imunológico oposto ao anterior.
Foi, então, desenvolvido um biomaterial à base de hidroxapatite, com partículas pequenas o suficiente para não causarem reação de corpo estranho. De modo a permitir a adsorção das moléculas estudadas, fez-se uma pré-funcionalização do composto com polidopamina, enriquecendo-o assim em grupos funcionais reativos, apelativos para o posterior acoplamento dos compostos reguladores dos processos imunopatofisiológicos.

Figura 1 – Representação esquemática dos processos imunopatofisiológicos associados a cada material imunomodulatório.
Verificou-se, como está representado na Figura 1, e tal como foi previsto, diferentes resultados de acordo com a natureza imunomodulatória dos biomateriais implantados. Apesar de, em ambos os casos, se identificar a tentativa do organismo em regenerar o tecido lesado, esta foi muito mais eficaz em condições anti-inflamatórias associadas à IL-4. Este resultado decorre do facto de que, no ambiente pró-infamatório, é desencadeado um conjunto de reações imunes que atrasam e dificultam o processo. Destaca-se, particularmente, o início do processo fibrótico, caracterizado pela deposição de fibrinogénio, formando uma camada entre e lesão e o restante organismo. O objetivo deste processo é exatamente isolar o “problema”, para evitar que se torne sistémico, mas acarreta a consequência de interromper o processo inflamatório e prevenir a migração de células estaminas, retardando assim a regeneração.
Assim sendo, o artigo permitiu concluir que a utilização de materiais imobilizados com IL-4 pode ser interessante para aplicações em engenharia regenerativa.