BioNOW! #62 – TIGER: o novo passo na monitorização da expressão génica

Por Beatriz Sampaio em

BioNOW! #62 - TIGER: o novo passo na monitorização da expressão génica

Apesar de não mutuamente exclusivas, a vida e as células têm uma relação incontornável. Assim sendo, é óbvia a necessidade do estudo da célula para atingir níveis superiores de compreensão acerca dos processos e vias em que estas se envolvem, caminhando em direção ao entendimento da própria vida.

Como é bem sabido, a expressão génica de uma célula é um fator importante na definição do seu estado de diferenciação, bem como a sua função. Torna-se então de interesse, como já se tem vindo a observar nos últimos anos, o estudo deste processo através do seu intermediário, o mRNA. Ao conseguir identificar e quantificar as sequências de mRNA presentes numa célula ao longo do tempo, adquire-se uma ampla quantidade de informação.

Note-se, contudo, que o mRNA não é o único tipo de RNA presente intracelularmente e, apesar de este ser passível de distinção graças à sua cauda de adeninas na extremidade 3’ (no que toca, obviamente, às células eucariotas), também é de interesse o estudo de outras variantes desta biomolécula, com uma função regulatória e não de codificação proteica.

A questão que emerge então é: como será possível “gravar” os RNAs presentes numa célula? De um modo geral, e devido à instabilidade característica do RNA, este tipo de aquisições de dados são feitos através de moléculas de DNA. Para tal, convencionalmente, recorre-se à transcriptase reversa. Esta enzima é capaz de sintetizar cDNA complementar ao RNA, obtendo-se então uma biblioteca cuja amplificação e posterior sequenciação permitem determinar o RNA presente nas células analisadas. Apesar desta técnica, denominada de RNA-seq, ainda ser bastante utilizada, acarreta algumas limitações associadas à necessidade de extrair o RNA e recorrer à transcriptase reversa, que introduzem erros experimentais e tornam o processo moroso. Além disso, esta é geralmente aplicada a estudos populacionais e não a células independentes.

Assim sendo, tem havido um esforço da comunidade científica no sentido de desenvolver novos métodos que permitam uma análise mais exata e direcionada do RNA intracelular. No artigo em questão, é apresentado o TIGER (transcribed RNAs inferred by genetically encoded records). Como o próprio nome indica, este procedimento procura efetuar marcações genéticas para contabilizar o RNA alvo. Esta marcação não é feita, contudo, no próprio DNA genómico, mas sim numa porção de DNA alvo de um vetor inserido.

Resolvido o problema do registo, é necessário ainda abordar o método de identificação do RNA propriamente dito. A responsável pelas alterações genéticas é a Cas9. Para induzir modificações, esta enzima tem de ser ativada por ligação a um gRNA (guide RNA) que, neste caso em concreto, é o próprio duplex imperfeito de RNA previamente formado. Para isso, recorre-se a tracrRNA complementar aos transcritos de RNA de interesse, os quais irão emparelhar formando um RNA de cadeia dupla com hibridações. Assim, é possível, através do tracrRNA, identificar o RNA intracelular e, após esse acontecimento, induzir a marcação do DNA alvo associado. Deste modo, ao analisar os plasmídeos obtidos, é possível quantificar os RNAs de interesse no interior da célula analisada.

Após a verificação da eficácia desta técnica na quantificação de uma única sequência de RNA, procurou-se investigar a sua precisão. Para tal, os autores testaram este método para avaliar situações com SNP (single-nucleotide polimorphism), de modo a avaliar a sua capacidade de distinguir sequências com mutações pontuais. De seguida, testou-se ainda a possibilidade de analisar vários RNAs alvo de uma só vez, inserindo vários tracrRNAs e DNAs alvo.

Em ambos os ensaios os resultados obtidos foram apelativos, pelo que tudo indica que esta poderá vir a ser uma técnica de elevado interesse no estudo de fenómenos complexos e associados a heterogeneidade populacional, como por exemplo os processos de movimento de plasmídeos associados à disseminação de resistência em bactérias.

O TIGER distingue-se então das técnicas previamente utilizadas pelo facto de conseguir estudar células individuais, fazendo uma análise quantitativa de vários RNAs em simultâneo, com sensibilidade ao tempo de expressão dos mesmos. É indubitável o potencial desta técnica e o seu estudo em maior detalhe é de elevado interesse.

Colocam-se, contudo, algumas questões acerca da sua eficácia e implicações na célula. O emparelhamento do mRNA irá impedir a sua tradução, influenciando a função da célula. Além disso, é importante ter em conta que as próprias células têm mecanismos de proteção que visam a eliminação de dsRNA: não poderá isto implicar a destruição do gRNA antes da modificação do DNA alvo? Que outras consequências poderá este tipo de análise ter? É importante investir no estudo deste tipo de acontecimentos, no sentido de tornar o TIGER numa técnica que, além de todas as suas valências, não comprometa a integridade da população analisada.

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