BioNOW! #65 – Fissão Assintética: O novo tipo de divisão celular

Por Paulo Pedroso em

BioNOW! #65 - Fissão Assintética: O novo tipo de divisão celular

Há 180 anos, foram descobertos dois tipos de divisão celular que nos são ensinados desde o secundário: a mitose em células somáticas e a meiose em células germinativas. Contudo o mundo da ciência e da investigação está sempre a surpreender-nos, e os inquestionáveis dogmas da biologia são por vezes abanados. É por isso que devemos sempre manter um pensamento crítico e um cauteloso método científico analítico!

Uma equipa de investigadores do Taiwan desvendou um novo tipo de divisão celular e a primeira surpresa foi que ocorre em células que nem considerávamos capazes de tal feito: células da pele. Para maior surpresa (ou não), esta forma de divisão não envolve duplicação do DNA. Em primeira análise, o nosso senso leva-nos a pensar que a redução genómica dessas células seria prejudicial ao indivíduo, mas percebeu-se que não, e que é, aliás, fundamental para um rápido crescimento, desenvolvimento e regeneração.

A pele dos vertebrados exibe uma estrutura estratificada. No peixe-zebra, certas células epiteliais progenitoras dentro da camada basal da pele são capazes de produzir células epiteliais basais (BECs) e células epiteliais superficiais (SECs) durante o desenvolvimento da pele e na homeostasia, ilustrados nas duas primeiras imagens da Figura 1.

No entanto, a pele de peixe-zebra difere da dos mamíferos anatomicamente, pela falta de camadas celulares queratinizadas e anucleadas. Em vez disso, a camada mais externa do corpo do peixe é coberta por células epiteliais terminalmente diferenciadas (as SECs) e uma fina camada de muco transparente, que lembra o tal típico epitélio estratificado não queratinizado em mamíferos. Esta característica chave apresenta uma oportunidade única para a visualização intravital de alta resolução do comportamento das células da pele em animais vivos e condições naturais.

Figura 1 – Distinção entre SEC e BEC, e capacidade exclusiva de multicoloração da SEC por atividade Cre.

Tal observação da fisionomia das células foi feita com peixes-zebra transgénicos e com tecnologia de marcação de membrana celular ao marcar histonas com BFP2 deslocado para UV como um marcador de expressão para destacar as interações célula-célula das transgénicas, tornando as células não recombinadas invisíveis (Figura 1). Com várias linhas é possível criar um código de barras multicolor exclusivo às SECs e cada célula individualmente, e estes peixes são tão pequenos que é possível ver o que aconteceu a cada célula. Os cientistas intitularam este sistema de “palmskin” que é regulado por atividade Cre com doxiciclina e tamoxifeno (Figura 2).

Figura 2 – Vista total de peixe-zebra vivo com palmskin (topo) e vista ampliada da área “d” (base).

Para espanto da equipa, estas células classificadas como terminalmente diferenciadas conseguem efetuar no máximo duas divisões (quatro células), apesar de não replicarem o DNA, que causa a redução do genoma das mesmas. Estas divisões são rápidas, já que não efetuam replicação, para responder à necessidade de cobertura superficial, mas acontecem com vários erros. As divisões são tão anormais que o DNA não se separa perfeitamente entre as novas células, ou há perdas de fragmentos de DNA ou até regride a um núcleo.

Os investigadores acreditam que a “fissão assintética” seja usada como mecanismo eficiente para expandir a cobertura epitelial e garantir que há pele suficiente no organismo durante o crescimento rápido, e acreditam também que seja uma estratégia temporária! De facto, os peixes-zebra substituem as células anormais por células normais, com o genoma esperado, numa janela de desenvolvimento específica de poucas semanas.

Não obstante de ser necessário efetuar mais investigação para melhor compreender como esta divisão ultrapassa, por exemplo, os checkpoints mitóticos e o seu papel na função e evolução da barreira cutânea, temos uma ideia de como e porquê que este processo acontece, mas quão espalhado estará? Será que nós, humanos, também somos capazes de tal feito? Observado este evento inédito de divisão celular no peixe-zebra, acho que há uma boa possibilidade de também o vermos, pelo menos em alguma fase da vida noutros vertebrados.

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