BioNOW! #79 - Formigas e achadas
Reformatar o cérebro de uma formiga com um íman
Já alguma vez te perdeste no Porto? Se sim, imagina tentares encontrar o caminho para casa no meio do deserto, sem ruas ou marcos visuais. Agora, imagina ainda se tivesses o tamanho de uma formiga, com um ninho pequeno e escondido na paisagem.
O trabalho parece impossível para as formigas-do-deserto, cujo modo de sobrevivência é navegar o território à procura de carcaças de insetos e outros artrópodes que tenham sucumbido ao calor. Como agravante, quando estão fora do ninho, com temperaturas à superfície do seu corpo que podem chegar aos 70ºC, têm de se manter permanentemente em movimento ou, muito simplesmente, fritam.
Felizmente, a Evolução deu às formigas-do-deserto uma bússola interna. Ou seja, tal como já se tinha constatado para algumas espécies de pássaros, peixes, tartarugas e borboletas, elas têm a capacidade de usar o campo magnético terrestre para se orientarem, conforme descoberto em 2018 por Robin Grob, um biólogo na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia.
Em fevereiro deste ano, no entanto, Grob e a sua equipa reportaram a descoberta de que o campo magnético é importante inclusive para a neuroplasticidade destes animais, ou seja, a sua capacidade de aprendizagem e desenvolvimento cerebral.
O processo de aprender a voltar para casa é complexo para as jovens formigas. O primeiro treino consiste em perfazer um círculo perto do ninho durante os primeiros três dias, enquanto pausam várias vezes e rodam em torno de si mesmas para voltar o olhar para a entrada do ninho. Nesta aprendizagem, as formigas aparentavam usar o campo magnético como referência enquanto aprendiam a guiar-se pelo sol e pontos de referência visuais.
Para responder ao desafio de perceber em que zona do cérebro é que os sinais magnéticos são processados, os cientistas colocaram um dispositivo perto da entrada do ninho que anulava parte do campo magnético terrestre paralelo ao solo. Como resultado, as crianças em idade escolar desorientavam-se, virando-se para direções aleatórias.
Tendo inicialmente marcado com um ponto colorido as formigas inexperientes (facilmente identificáveis pelo seu comportamento de aprendizagem), a equipa recolheu-as, juntamente com formigas experientes na atividade de exploração, extraiu os seus cérebros e analisou-os. Verificou-se que, num par de estruturas chamado “corpos de cogumelos”, as formigas expostas às alterações do campo magnético na fase de aprendizagem apresentavam um menor número de conexões entre neurónios, e o próprio tamanho destas estruturas era inferior. Estes corpos de cogumelos estão envolvidos, como seria de esperar, na aprendizagem e orientação.

Figura 1 – Modelo computacional do corte de um cérebro de formiga. Em destaque, a magenta e verde, estão os corpos cogumelo, estruturas responsáveis pela aprendizagem e orientação no cérebro dos artrópodes. Nova investigação sugere que este também pode ser o local onde a formiga processa informação proveniente do campo magnético terrestre. Fotografia: Wolfgang Rössler.
Estes resultados mostram que simples padrões de aprendizagem são responsáveis por mudanças anatómicas no cérebro. Consequentemente, privar os seres vivos de aprendizagens significa impedir desenvolvimentos físicos e visíveis neste órgão.
No entanto, curiosamente, quando os investigadores usaram o dispositivo para eliminar completamente o campo magnético na entrada dos ninhos (e não apenas a porção paralela ao terreno) as formigas conseguiram orientar-se e os seus cérebros não sofreram o mesmo efeito de aparente estagnação. Para explicar isto, pode levantar-se a hipótese de estes animais conseguirem escolher usar apenas a informação que está disponível – e, deixando por completo de ter acesso à magnética, usarem outros sinais para aprenderem a orientar-se.
De facto, as formigas-do-deserto já são conhecidas outros tipos de adaptação fascinantes a condições adversas, fazendo desta espécie um ótimo modelo para estudar a navegação. Além de usarem pistas visuais e olfativas, que armazenam no seu centro de memória, usam uma “bússola solar” e um contador de passos interno para medir as distâncias que percorrem. Podem ainda construir as próprias pistas visuais no caminho, mas apenas se este não tiver as necessárias. Nunca encontrarias, portanto, uma formiga a perguntar-te como chegar à Cordoaria.
- https://www.sciencenews.org/article/how-magnetic-fields-shape-desert-ants-brains
- https://www.pnas.org/doi/abs/10.1073/pnas.2320764121
- https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982218303725
- https://www.mpg.de/20377392/0525-choe-desert-ant-increase-the-visibility-of-their-nest-entrances-in-the-absence-of-landmarks-155371-x
- https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0960982223006140