BioNOW! #21 - A ligação entre a microbiota intestinal e a doença de Alzheimer
A génese das doenças neurodegenerativas, especialmente a de Alzheimer, tem-se revelado difícil de compreender, apesar dos melhores esforços da comunidade científica. Nos últimos anos, uma hipótese que relaciona os microrganismos do intestino com estas patologias tem-se tornado cada vez mais relevante.
Durante muitas décadas, pouca atenção foi dada ao papel no organismo das bactérias e fungos que habitam o nosso sistema digestivo. Foi só em 2014, numa apresentação seminal do Professor John Cryan, que foi apresentada a possibilidade de alterações no microbioma causarem efeitos no funcionamento do cérebro. Apesar da ideia ter sido inicialmente mal recebida, muitos estudos subsequentes têm trazido à superfície novos dados que a suportam.
Um dos primeiros grandes desenvolvimentos nesse sentido foi dado em 2017, quando foram publicados vários estudos que revelavam uma diminuição na gravidade da doença em ratinhos tratados com antibióticos. Nestes animais, geneticamente propensos a desenvolver placas cerebrais típicas da doença de Alzheimer, a eliminação da microbiota intestinal é suficiente para reduzir significativamente estes achados. Ainda nesse ano, descobriram-se novas e importantes diferenças nas espécies bacterianas presentes no intestino de doentes de Alzheimer, em comparação com indivíduos saudáveis.
O mecanismo responsável por estes efeitos (bem como outros fenómenos semelhantes encontrados em outras doenças) permanece obscuro e é alvo de muita investigação: pode envolver alterações no microbioma, nos vasos sanguíneos que circundam o intestino ou o cérebro, ou alterações complexas nos vários sistemas. No entanto, um estudo recente de investigadores italianos e suíços veio lançar alguma luz sobre o assunto. Este trabalho estudou os níveis sanguíneos de diversos produtos microbianos, em idosos saudáveis e com doença de Alzheimer – foi, assim, verificada uma correlação extremamente elevada entre a presença de placas senis e a concentração de alguns lípidos de cadeia curta e lipopolissacarídeos no sangue. Estes compostos são promotores de inflamação sistémica, que alteram as características de permeabilidade dos vasos sanguíneos em todo o organismo, sendo essa a via proposta para o seu efeito no sistema nervoso central.
Em suma, apesar de esta hipótese ainda ser emergente e serem necessários dados mais conclusivos nesse sentido, é possível que estejamos mais perto de conhecer a verdadeira causa da doença de Alzheimer. Este conhecimento abrirá novos caminhos na abordagem clínica e tratamento das pessoas que sofrem dessa patologia, podendo vir a revolucionar a compreensão das doenças neurodegenerativas.
https://doi.org/10.1038/s41598-017-11047-w
https://doi.org/10.1038/srep41802
https://doi.org/10.1038/s41598-017-13601-y
Sobre o estudo recente que descreve os lípidos de cadeia curta e LPS como mediadores da neurodegeneração:
https://doi.org/10.3233/JAD-200306
