BioNOW! #26 - Wearables e suor: uma combinação inesperada
Rabugento e regelado, apressou o passo. Odiava esta altura do ano, em que a neve ameaçava soterrar toda a cidade, não fossem os sVac que patrulhavam com destreza as movimentadas ruas. Ia chegar atrasado ao trabalho pela segunda vez esta semana e sabia perfeitamente que, caso repetisse o feito, bem poderia começar a procurar nova ocupação. “Maldito o dia em que comprei este relógio! Se fizer a sessão de 15 minutos, talvez consiga chegar a horas.”, pensou.
Ainda absorto, estacou junto à grande fachada de vidro. Lá dentro numa bicicleta estacionária, avistou um homem dos seus 40 anos que, de blazer e calças cinza, pedalava vigorosamente. Esta visão deu-lhe um certo prazer. Percebeu que não era o único que precisava desesperadamente de uma ou duas gotas de suor, fluido outrora pouco mais que um indesejado subproduto da homeostasia humana e que agora servia de fonte de energia para aparelhos que procuravam corrigir as suas falhas…
Parecendo tirado de uma obra de ficção científica (se não faltaram a arte e o engenho…), este excerto retrata um mundo cada vez mais próximo da realidade. Com o advento dos wearables, apareceu também a necessidade de desenvolver fontes de energia apropriadas. Se, por um lado, as baterias tipo-botão tradicionais são demasiado volumosas para este género de aparelhos, por outro, baterias mais finas acarretam problemas de segurança para o utilizador. E foi precisamente sobre este dilema que apareceu uma alternativa mais “fora da caixa”.
Ora, uma equipa de investigadores da Universidade de Ciência de Tóquio desenvolveu e testou uma matriz de células de biocombustível que se assemelha a uma ligadura de papel e que usa o lactato presente no suor para gerar potência suficiente ao carregamento de biossensores e dispositivos de comunicação wireless. Esta ligadura é essencialmente composta por um substrato hidrofóbico no qual são inseridas várias células de biocombustível em série e paralelo. Em cada célula dá-se uma reação eletroquímica entre o lactato e uma enzima presente nos elétrodos, o que resulta na produção de uma corrente elétrica que flui para um coletor feito com pasta de carbono.

Figura 1 – Esquemático de (a) vista superior e (b) vista da secção transversal do dispositivo.
Apesar de já existirem células baseadas nesta reação, este dispositivo inova pelo engenhoso design. Por um lado, pode ser inteiramente fabricado por serigrafia (em inglês, screen printing), técnica que permite imprimir diversos tipos de tintas (neste caso, tinta de carbono poroso) em variados tipos de materiais e superfícies e que é economicamente eficiente para produção em massa. Por outro lado, explora um fenómeno natural bem conhecido para levar o lactato às células – a ação capilar. Com efeito, o substrato de papel leva o suor às células sem que tenha de ser aplicada qualquer energia.
Os resultados, publicados no Journal of Power Sources, mostram que não só é possível adaptar o número de células e a sua configuração no substrato consoante a voltagem e potência que se pretende num dado aparelho, como também criar um aparelho que se carrega sozinho ao mesmo tempo que mede os níveis de lactato no suor e envia os resultados em tempo real para um smartphone. Note-se que o lactato é um biomarcador que reflete em tempo real a intensidade da atividade física, pelo que este tipo de aparelho pode revelar-se útil quer ao nível do treino de atletas quer ao nível da reabilitação de pacientes. Por este motivo, os investigadores planeiam, já num futuro próximo, aprimorar a estabilidade do dispositivo, isto é, torná-lo funcional durante períodos mais longos, através do estudo de métodos de imobilização da enzima.
Sabe mais em:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378775321000811