BioNOW! #14 – Ilusões auditivas: como manipular o que ouvimos

Por Eduardo Carvalho em

BioNOW! #14 - Ilusões auditivas: como manipular o que ouvimos

A História parece estar recheada de desentendimentos, querelas e vendetas que têm na sua origem interpretações distintas para os mesmos eventos. Desde os acesos debates nos concílios ecuménicos, passando pela disputa dos modelos cosmológicos, até à viral fotografia do vestido azul e preto (sim… não é branco e dourado), o ser humano tem mostrado viver numa espécie de tirania dos sentidos, em que raramente questiona a sua perceção – isto é, se constitui uma representação integral e fidedigna de uma realidade externa e objetiva –, enquanto recusa prontamente outras que a contradigam. 

Nas últimas décadas, as neurociências têm-se avidamente debruçado sobre estas questões de teor percetivo, revelando que o processamento de informação ao nível do córtex cerebral parece ter um carácter não holístico, mas preditivo. Por outras palavras, os neurónios responsáveis pelo processamento sensorial parecem codificar as diferenças entre previsões e realidade. De facto, existe uma vasta panóplia de ilusões que espelham isso mesmo. Comparativamente com as ilusões visuais, as ilusões auditivas passam praticamente despercebidas pelo universo digital, apesar de serem tão ou mais fascinantes que as primeiras. Entre elas encontram-se o efeito de McGurk e a escala de Shepard.

Recentemente, uma equipa de investigadores da Technische Universität Dresden veio corroborar esta hipótese, ao mostrar que não só o córtex cerebral como também circuitos subcorticais, representam os sons em função daquilo que esperamos ouvir. No estudo, foi pedido a 19 participantes que indicassem, numa dada sequência de sons, aquele que se diferenciava dos outros, enquanto lhes eram mapeados os cérebros através de ressonância magnética funcional. Seguidamente, e sem estarem conscientes disso, os participantes foram manipulados de forma a esperarem o som desviante em certas posições da sequência.

Figura 1- (A) Exemplo de um teste, que consiste numa sequência de sete tons puros de uma certa frequência (azul) e um tom puro de uma frequência desviante (vermelho) que pode assumir a 4ª, 5ª ou 6ª posições. Todos os tons têm uma duração de 50ms e são separados por 700ms. (B) Esquema da resposta esperada no circuito auditivo subcortical para a sequência mostrada em A. (C) Resposta esperada no circuito auditivo subcortical correspondente à habituação (h1) e à codificação preditiva (h2). Uma vez que a probabilidade posterior de encontrar o som desviante na 4ª, 5ª ou 6ª posição é de 1/3, 1/2 e 1, respetivamente, a codificação preditiva atribui respostas diferentes nas posições desviantes.

Ao analisarem as respostas desencadeadas pelo som desviante nos dois principais núcleos do circuito subcortical responsável pelo processamento auditivo (o colículo inferior e o corpo geniculado medial) os investigadores viram que, embora os participantes o reconhecessem mais depressa em posições esperadas, só havia ativação da zona quando este aparecia em posições inesperadas.

Estes resultados são inovadores, não por corroborarem o papel das crenças subjetivas na perceção do mundo físico, mas por implicarem a participação de circuitos subcorticais neste processo – o que curiosamente pode vir a explicar o porquê da dificuldade que os disléxicos têm em subvocalizar e pronunciar palavras, dada a existente associação entre a doença e respostas alteradas nestes circuitos.

Sabe mais em:
https://elifesciences.org/articles/64501

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