BioNOW! #20 - Paradoxo de Peto: o porquê de as baleias terem menos cancro
Porque é que os animais de grande porte não têm uma maior incidência de cancro que os mais pequenos? Assente sobre o princípio de que quanto mais células um organismo tem maior o risco de vir a desenvolver cancro, este aparente paradoxo (cunhado Peto, em homenagem a Richard Peto) tem intrigado os cientistas ao longo de várias décadas. De facto, este princípio não se verifica na natureza, já que os cetáceos, especialmente as baleias, apresentam não só taxas de cancro inferiores aos humanos como também uma maior longevidade (fator também associado a uma maior incidência da doença).
Desde o surgimento da genómica que as investigações têm reduzido o problema à existência de “bons genes”, os quais suprimem o cancro e outras condições que lhe são favoráveis. No entanto, as origens e mecanismos destes continuam por desvendar. Num recente estudo, publicado na The Royal Society, uma equipa de investigadores decidiu estudar a origem e evolução deste tipo de genes – com especial atenção aos fenómenos de duplicação e turnover (ganho ou perda de genes) – bem como a sua relação com a longevidade e massa corporal nas várias espécies de cetáceos.
Através de sequenciação genómica, os investigadores criaram um mapa genético dos genes com capacidade supressora de cancro (do inglês Tumor Supressor Genes, TSG) em duas linhagens de cetáceos. Este mapeamento permitiu-lhes identificar 71 genes supressores, representados na Figura 1, os quais se apresentavam em duplicado em pelo menos uma das espécies. Destes, 11 revelaram uma forte correlação com uma maior longevidade: entre os quais o CXCR2, um gene importante na regulação da função imunológica, da disseminação tumoral e da senescência celular, encontrado em grandes quantidades nos cetáceos.

Figura 1 – Heatmap que mostra a taxa de duplicação de genes supressores de cancro (TSGs) nos cetáceos.
Curiosamente, a espécie conhecida por poder ultrapassar as duas centenas de existência, a baleia-da-Groenlândia, é a que apresenta o maior número de genes duplicados. Por outro lado, os golfinhos apresentam o menor número neste grupo, sendo também a espécie com incidência de cancro mais alta. Quando comparado com o mapa genético de outras espécies de mamíferos, entre as quais a humana, estes genes também revelaram uma taxa de turnover 2.4 vezes superior ao de qualquer outro mamífero.

Figura 2 – Relação entre a massa corporal e a longevidade nos cetáceos e nos outros mamíferos.
Os resultados obtidos sugerem que há uma seleção natural positiva a genes relacionados com a regulação ou supressão de cancro, de lesões cerebrais e hiperatividade do sistema nervoso, e de doenças do envelhecimento, dado que muitos dos genes identificados no estudo estão envolvidos em várias dessas funções. Estes resultados são ainda promissores na medida em que abrem portas a possíveis ramos de investigação dos mecanismos celulares responsáveis pelo envelhecimento e da sua aplicabilidade ao nível humano.
Sabe mais em:
https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2020.2592
A baleia é dos poucos animais que inspira simultaneamente surpresa, terror e afeição. Discreta e solitária por excelência, emerge das profundezas para as demais mitologias e iconografias, protagoniza as (des)venturas da literatura marítima, alicerça os arcos de castelos medievais, e, acima de tudo, chora enigmáticas melodias. Se há prova do fascínio que lhe nutrimos, essa é termos mandado para o espaço interestelar uma das suas canções, na esperança de que outros seres partilhem a mesma reverência ou, pelo menos, de que a mensagem chegue onde possa ser decifrada. É, portanto, sem surpresa, que agora nos voltamos para este titã de sangue quente em busca do elixir da imortalidade.