BioNOW! #23 – Criação de organóides produtores de lágrimas

Por Eduardo Carvalho em

BioNOW! #23 - Criação de organóides produtores de lágrimas

Sejam elas de alegria, tristeza ou crocodilo as lágrimas representam muito mais que a tão simbólica como desprovida do atual rigor científico análise de António Gedeão. E, se no passado eram o ganha-pão das carpideiras, atualmente constituem o sustento de vários cientistas, como veremos adiante.

A chegada das células pluripotentes induzidas ao universo científico foi uma das maiores revoluções das últimas décadas. Com esta abriu-se uma miríade de novas áreas científicas, entre as quais se encontra a do fabrico de organoides para efeitos terapêuticos. E foi, precisamente, esta que um grupo de investigadores liderado por Hans Clevers, um dos nomes mais prestigiados da área, explorou.

Os investigadores começaram por recolher células estaminais de ratos e de humanos, introduzindo-as em culturas com fatores de crescimento até formarem estruturas tridimensionais que mimetizassem a função e estrutura das glândulas lacrimais. De seguida, introduziram nos organoides vários estímulos químicos, incluindo um neurotransmissor chamado noradrenalina, com o intuito de induzir a formação de lágrimas.

Figura 1 – Vídeo dos organoides durante a secreção de lágrimas.

Com efeito, os organoides revelaram ser bastante responsivos ao neurotransmissor, pelo que produziram lágrimas, acumulando-as internamente – por não existirem as estruturas necessárias para as libertar – chegando mesmo alguns deles a rebentar devido à pressão. Os investigadores constataram, ainda, que nos organoides existiam quase todos os tipos de células necessários à formação dos três tipos de lágrima que se conhecem (os quais diferem no que toca à composição e respetiva função):

  • Lágrimas de manutenção: aquelas que mantêm permanentemente os olhos húmidos, formando uma camada de proteção, lubrificação e nutrição;
  • Lágrimas de dor: aquelas que resultam da reação à dor que afeta o olho diretamente, como o toque de um dedo ou o contacto com partículas de cebola (quando a técnica de corte deixa a desejar), e que são produzidas em grandes quantidades para o enxaguar;
  • Lágrimas emocionais: aquelas que advêm da ativação de circuitos cerebrais profundos, como o das emoções de tristeza ou alegria, ou até do riso;

Ainda que a produção destes organoides não seja suficiente para o bom funcionamento in vivo (por faltarem estruturas complementares necessárias), esta não deixa de ser um primeiro passo na criação de terapias futuras, nomeadamente no tratamento de condições como a Síndrome do Olho Seco – caracterizada por uma produção de lágrimas insuficiente, nula ou de baixa qualidade, e que acomete de 5 a 34% da população, dependendo da região do globo. Curiosamente, a maioria dos afetados não tem problemas em produzir lágrimas em resposta à dor ou emoção, estando apenas limitados quanto às de manutenção. Mas, se por um lado, estes casos podem ser colmatados com gotas oftálmicas, por outro, instâncias mais extremas como as da Síndrome de Sjögren, em que nenhum dos três tipos é produzido, continuam à espera de soluções mais adequadas.

Sabe mais em:
https://www.cell.com/cell-stem-cell/fulltext/S1934-5909(21)00075-8

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