BioNOW! #29 – O doce sabor da Era Nuclear

Por Eduardo Carvalho em

BioNOW! #29 - O doce sabor da Era Nuclear

Se com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, não há maior responsabilidade que a preservação da espécie humana, agora que temos o poder de a destruir. A fissão nuclear foi indubitavelmente um dos marcos tecnológicos mais impactantes do século XX, não só pelo potencial e real sofrimento infligido por motivações bélicas, como também pelas drásticas consequências do erro humano na revolução energética do átomo.

O período pós-segunda guerra mundial foi pautado por uma tensão de dimensões intercontinentais, tendo sido testadas centenas de ogivas nucleares. Estas manifestações de poder, e sobretudo desconfiança, foram responsáveis pela libertação de vários radioisótopos – entre os quais, o radiocésio, 137Cs – para a atmosfera, e que sujeitos às correntes de ar foram dispersados por todo o globo.

O 137Cs tem uma meia-vida de aproximadamente 30 anos e é solúvel em água. Dado que muitos destes radioisótopos continuam por decair passados quase 70 anos, os investigadores têm procurado perceber onde é que se tendem a armazenar e o seu potencial impacto nos ecossistemas. Ora, estudos comparativos quanto à atividade de 137Cs em diversos produtos de origem natural apontam o mel como um dos maiores armazenadores do radioisótopo.

Num recente artigo publicado na Nature Communications, um grupo de investigadores estudou a presença de 137Cs no mel da costa leste dos E.U.A., a qual se encontra a milhares de quilómetros da detonação mais próxima. Os investigadores recolheram amostras de mais de uma centena de locais e testaram-nos quanto à presença do radioisótopo. Para além disso, e recorrendo a registos históricos da atividade de 137Cs noutros produtos, tentaram reconstruir os níveis de radioatividade no mel ao longo destas últimas décadas e perceber os seus efeitos nas abelhas.

Em 68 das amostras detetaram níveis acima dos 0.03 becquerels (desintegrações nucleares por segundo) por quilograma – o que se traduz em cerca de 870,000 átomos por colher – sendo o valor máximo registado de 19.1 becquerels por quilograma, na Flórida. Note-se que este valor se encontra substancialmente abaixo do limite diário de consumo máximo de 50-100 becquerels por quilograma, imposto por muitos países.

Figura 1 – (a) Locais (a preto) onde foi detetado 137Cs no mel, sobre um mapa da deposição do radioisótopo no solo durante o século XX tendo em consideração o decaimento até 2019. (b) Magnitude relativa de 137Cs no mel, sobre um mapa das concentrações de potássio no solo obtido por radiometria.  

Os investigadores constataram ainda que os níveis de potássio no solo são bons indicadores da atividade do 137Cs no mel. Isto acontece porque o radioisótopo tem propriedades químicas semelhantes ao potássio, podendo ser absorvido pela vegetação e entrando no fabrico do mel por via do néctar. Quanto aos possíveis efeitos nos polinizadores, os investigadores não descartam a possibilidade da exposição contínua e baixa (segundo padrões atuais) ter efeitos nocivos para os insetos. Aliás, estudos mostram que em Chernobyl houve uma diminuição significativa da reprodução das abelhas, para exposições consideradas seguras.

Apesar das várias perguntas que ainda estão por responder, este tipo de estudos pode ajudar a resolver outro problema. Atualmente, existem, no mercado, muitos produtos que se rotulam de mel, mas que não têm origem exclusivamente orgânica. Um dos métodos mais utilizados para a validação deste produto consiste em verificar a presença de pólen, no entanto, países como a China contornam esse obstáculo, adicionando-o durante o processamento. A medição da radioatividade – já usada na indústria dos vinhos antigos, para ver se são anteriores a 1945 – pode revelar-se uma ferramenta útil no combate à desinformação.

Sabe mais em:
https://www.nature.com/articles/s41467-021-22081-8

Categorias: BioNOW!