BioNOW! #56- E. coli: o novo vetor de imunoterapia tumoral

Por Beatriz Sampaio em

BioNOW! #56 - E. coli: o novo vetor de imunoterapia tumoral

O estudo de imunoterapias tumorais personalizadas, que tem como princípio a ativação do sistema imunitário através de antigénios específicos do tumor, é uma área pouco desenvolvida. O modo de administração são, geralmente, injeções, que acarretam a desvantagem de apenas atingir locais pobres em leucócitos, desencadeando uma resposta insuficiente.

O intestino é a zona do corpo humano mais rica em células imunitárias, tornando-se então óbvio o interesse da administração oral. O estudo destes mecanismos de drug delivery é extenso e abrange diversas hipóteses, desde lipossomas a nanopartículas poliméricas. Contudo, o ambiente intestinal adverso e particularmente a dificuldade em penetrar o tecido intestinal em direção às mucosas representam um problema significativo.

Não nos esqueçamos, apesar de tudo, de que, no que diz respeito a células abundantes no intestino, há um claro vencedor: as bactérias. O epitélio intestinal está extensivamente recoberto por bactérias comensais que, além de não serem prejudiciais para o ser humano, são indispensáveis na modulação da resposta imune. O seu mecanismo de atuação é diverso, podendo-se destacar um dos métodos utilizados: a secreção de OMVs. As OMVs são partículas de conteúdo diversificado que podem atravessar o epitélio intestinal e interagir com células imunes, particularmente as células dendríticas, ativando-as.

E assim já quase se adivinha o modo de ação utilizado pelos autores do artigo: através de E. coli geneticamente modificada, é possível produzir OMVs carregadas com antigénios tumorais. Esta apresentação antigénica confere aos linfócitos T especificidade para as células tumorais, induzindo a sua apoptose.

Figura 1 – Mecanismo associado à vacina anti-tumoral oral baseada em OMVs derivados de bactérias geneticamente modificadas.

 

A utilização de antigénios é um método comummente utilizado para imunização, como é o caso de vacinas com vírus atenuados, mas é caracterizada por um problema: a exposição contínua a antigénios pode sobrecarregar o sistema imunitário, desencadeando mecanismos de tolerância, na qual as células responsáveis pela identificação do antigénio são inativadas, interrompendo a resposta.

No presente estudo, contudo, previu-se e ultrapassou-se este obstáculo. Na modificação genética, além da adição do antigénio tumoral, adicionou-se um promotor induzido por arabinose. Os promotores são importantes reguladores da expressão génica, restringindo a transcrição do gene ao espaço de tempo em que o seu indutor está presente. Neste caso particular, o indutor escolhido trata-se de um monossacarídeo, passível de administração. Isto permite que a produção das OMVs modificada ocorra apenas nestas situações controladas, e não constitutivamente, evitando a tolerância imune.

Torna-se ainda necessário garantir o encontro entre a vesícula formadas e as células dendríticas no interior do tecido intestinal – para tal, estimulou-se ainda a produção de outro componente membranar nas OMVs, de forma que sejam reconhecidas pelos mencionados leucócitos.

Conseguiu-se então construir um mecanismo viável de indução imunitária por via oral, recorrendo a engenharia de microrganismos, que mostrou resultados em ratos tanto com cancro do pulmão metastizado como cancro do cólon subcutâneo, com ativação do sistema imunitário e redução significativa dos tumores e metástases. Esta é, sem dúvida, uma metodologia de elevado interesse e potencial, aliando a microbiologia e a imunologia naquela que pode vir a ser uma nova técnica de vacinação anti-tumoral.

Note-se, contudo, que apesar de se tratar de um modelo promissor, são previsíveis alguns obstáculos em ensaios futuros.

Os testes executados no presente artigo utilizaram modelos de ratinhos, mas a microbiota intestinal do ser humano tem complexidade e composição distintas. Serão as suas interações com a E. coli modificada semelhantes às estudadas?

Surge ainda a particularidade de o gene codificante para as OMVs se localizar num plasmídeo. As modificações genéticas em plasmídeos podem surgir associadas a um problema – a própria bactéria tem a capacidade de, quando deixam de ser uma vantagem evolutiva, os eliminar. Tendo em conta a variedade de bactérias no intestino, a possibilidade de transferência genética horizontal é bastante elevada, possibilitando a eventual secreção do plasmídeo geneticamente modificado.

É ainda importante salientar que as modificações foram feitas em E. coli de uma linhagem modificada para ter maior taxa de clonagem e propagação plasmídica. Haverá a possibilidade de uma reação imune adversa? 

Categorias: BioNOW!